Crise

Por causa dos ilusionistas é que hoje em dia muita gente acredita que poesia é truque...

Mario Quintana - Sapato Florido, 1948.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

STILL LOST AFTER THE STORM*

 
Yes, my dear friend,
it has been very hard
to stay away from you; and for so long!

I almost don't know anymore
how is your true face and life like.

Neither do I know how much you love me;
if you truly still do.

Yes, my dear friend,
it has been very hard
to turn away from you; look at the nearest
mirror, hanging from a nail at a pale wall
of my living room of sorrows.

Yet and again, dreaming of quiet, happy old days
we spent so close that someone,
or almost everyone, would bet we're one.

Yes, my dear friend,
it has been very hard
to get to sleep, even on a pillow of clouds,
without listening to your voice;
begging for some more time:
just to be aside - on such an awesome silence!

Yet and again, I keep trying to follow
your footsteps while drowning
in the dust; shadows of my mind at dusk.

Yes my dear friend,
it has been very hard
to leave the trails I chose to myself,
at the moment I believed I would find you
after the storm: thought rain and the snow gone,
would allow our meeting - as the sun vanishes!

Yet and again, at the Endless Summer,
on the far horizon over the Atlantic Ocean,
no more rimes on my lips - nor a dime in my pocket.


*Jairo De Britto, in "English Poems"

 São Paulo, Capital - Brasil (17/Junho/2003)

[Painting  by  Christian Schloe]

quinta-feira, 24 de abril de 2014

VIAJAR É MAIS QUE PRECISO*


Preparou-se para aquela
que não sabia ser sua pequena,
grande ou maior viagem.

Preparou-se para aquela
que não sabia ser sua amena,
áspera ou derradeira viagem.

Preparou-se para aquela
que não sabia ser penúltima,
ou mais uma daquelas passagens.

E o fez com o mais cuidadoso
e lúcido, ácido e ávido pensar.

Sabia que devia; que havia 
de assim melhor ser: para ele
um singular e sobreviver:

Fosse na Luz aguda e infinita
Ou na Treva arguta e maldita.

Mas, sem rancor ou medo,
ímpar Fé ou maior descrer,
sabia que já estava pronto.

Mãos e olhos fixos; o corpo
disposto, as mãos desatadas:
nos lábios as últimas palavras.

Por entre os dedos, o Tempo,
em horizonte perto ou distante,
não mais lhe ditava as regras!

Ele, nem vítima, herói ou rei, 
não mais construía verdes pontes. 
Agora, só admirava o abismo.

Assim, ciente de que o coração;
da sua, nem árdua, original, difícil 
e inversa decisão, sem medos 
ou oração, já não vinha tão cedo. 



em "Dunas de Marfim"


[Arte: Gabiel Pacheco]

quarta-feira, 16 de abril de 2014

A GRAMÁTICA DOS ANJOS*


Vejo a aldeia
através do espelho.
Sei que tudo espera:

Todas as dores, todas as letras;
o Verbo vivo inteiro.

Vejo a aldeia
através do espelho.
Sei que tudo esmera:

Todas as flores, todas as torres;
a gramática dos anjos.

Vejo a aldeia
através do espelho.
Sei que tudo escuta:

Todo alarde, todo silêncio;
o completo futuro possível.

Através da aldeia
vejo o espelho.

Que me descobre e desnuda
sem cerimônia ou fé.

Através do espelho
vejo aldeia:

Pequena ou grande,
gosto de, ao longo da Baía,
desvenda-la à pé!

*Jairo De Britto, em "Dunas de Marfim"

A FALSA IDADE DO TEMPO*


Não há Tempo pra Tudo:
nem bem se planta, colhemos
algo de bom ou mau 
que nunca sequer pretendemos.


Não há Tempo pra Tudo:
nem bem se nasce, aprendemos
a chorar as lágrimas quentes;
primitivas - que nunca sabemos. 

Não há Tempo pra Tudo:
cedo ou tarde, todos percebemos
quão breve é a Vida que temos;
tão falsos os versos que lemos.

*Jairo De Britto, em "Dunas de Marfim"


[Arte: Eleni Tsami]

MÃOS À OBRA DOS VELHOS SALMOS*



Minhas mãos não abraçam venturas. 
Já não há venturas além do arco-íris.

Minhas mãos não aventuram: aturam. 
Já tão desnaturadas, buscam ares vis.

Minhas mãos são sósias nada graves.
Mas traves, há muito desmascaradas.

Minhas mãos não aplaudem turbas,
após as curvas que teu corpo oferece. 

Mãos sacanas: noutras ilhas buscam
rios, ruivas solares; outras Havanas.

Mãos que sonham paupérrimas rimas.
Puxo teus cabelos como caras crinas.

Mãos que mais sabem a pão de mel:
que arremedam aquela sala-de-estar
do bem-estar dos lábios do sol no céu.

Mãos cansadas, velhas, rotas, árticas;
que arremessam o pão e alimentam, 
na rua, circos e fogueiras fantásticas. 

Mãos que sempre roubam e amam,
com fome, a mais próxima fêmea.

Mãos que aliciam e amam, sem nome,
irmãs safadas, acesas, atentas à noite!

(Mãos que, alertas, apertam outras)

Mãos que desatam nós e gargantas;
que caçam palavras em vastas ravinas.

Mãos que desobedecem e aquecem
cascatas, flores e pernas - vão açoite!

Mãos que reconhecem o corpo alado,
planícies, portos e rostos além demais.

(Mãos que afogam as datas marinhas)

Assim, como quem não quer nada:
entre uma e outra suave braçada.

*Jairo De Britto, em "Dunas de Marfim"

A ÚLTIMA VIAGEM*





Eu, já dentro 
do vazio elevador.

Ele, no outro lado;
no longo corredor.

Entre nós, a mala 
– grande! 

Mas não maior 
que minha imensa Dor.

Eu, olhos molhados,
disse:


“Adeus, Meu Filho!”

(Ali, escapou-me – por aflição)

Ele, olhos surpresos,
peguntou:
“Porquê 'Adeus', Papai?”

(Então, não intuí a premonição)

Eu, perdido no peso dos anos, 
respondi:
“Quis dizer 'Ciao', Meu Filho.”

(Mas ali, não cabia disfarce – Perdão) 

Nossos olhos, quatro ilhas de Amor,
entendiam que o táxi, na garagem,
esperava. 

(Assim foi – a minha última viagem) 

Jairo De Britto, em “Dunas de Marfim”

terça-feira, 25 de março de 2014

COLHEITA IMPREVISTA*

I

Pérolas de água-doce e boa caligrafia.
Papel Pólen de única e rara gramatura.
Uma caneta esfero clássica e fina.

II

A imponência de vestir um terno preto.
Uma bengala high tech firme e leve.
A ousadia da cotidiana e velha pirataria.

III

Cadernos e blocos diversos à mão.
Laudas A4 de cores várias e fortes.
Uma cadeira que alicie corpo e olhos.

IV

O Grito que em silêncio roubei em Oslo.
A cruel e estúpida Rosa de Hiroshima.
Outras rosas tantas de Gertrude Stein.

V

Sonhar com a Biblioteca de Alexandria.
Esquecer o homem que falava Javanês.
Lembrar de Picasso na Oca e no Louvre.


*Jairo De Britto, em "Dunas de Marfim"
(São Paulo, Capital - 22/Setembro/2004)

[Arte: Pablo Picasso]

OS SIGNOS CELTAS*



Eu quero você assim:
como ao Sol e à Lua

- quente, crua e nua.

Há, entre nós, a vírgula
e a clara voz da montanha:
um cálido e árido caminho.

Uma inteira e alva noite,
uma luz, ave, a medalha:
uma espada, cruz e ninho.

Um forte segredo, corrente
nas veias: um selvagem,
solene e último carinho.

* Jairo De Britto, em "Dunas de Marfim"

terça-feira, 18 de março de 2014

ENTREGA PRÉVIA *

 

Coloquei, a teus pés,
rosas molhadas, vermelhas:
aquelas que tanto amavas.
II
Sobre tua fronte augusta,
atei aquelas novas guirlandas
que em transe desejavas.
III
Coloquei, sobre teus seios,
mirra, incenso e visgo nobre;
velas, moedas de ouro e cobre.
IV
Sobre teu ventre alvo,
joguei todas as runas e cartas:
lua, sol, punhais, savanas!
V
Coloquei, à tua mercê,
minha pele atlântica e morena:
minhas cicatrizes e dores tantas
VI
Sobre teus olhos, derramei sonhos
diversos; pequenos e grandes:
minha afiada fieira de fracassos.
VII
Coloquei, em tuas mãos frias,
o fogo, faca, os beijos e o queijo:
as armas do meu exato desejo.

*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

BORBOLETA*


Lento e suave bordado.
Brisa e bolero,

leve e ousado,
tatuado na alma...
distraída do vento.

*Jairo De Britto
em “Dunas de Marfim”