Crise

Por causa dos ilusionistas é que hoje em dia muita gente acredita que poesia é truque...

Mario Quintana - Sapato Florido, 1948.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

VÃS CONFISSÕES*


Não quero ou pretendo mais nada.
Tive, na minha idade, o suficiente
de alegria, decepção, dor e perdas.

Só gostaria de mais árvores, flores 
e alvoradas.
E, se possível, um mundo menos 
inclemente.

*Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

SUBSTANTIVO INTRANSFERÍVEL'*



O abandono não tem tempo
nem dono; não tem face:
não há ventania que o disfarce.

O abandono não tem o Tempo
como senhor; ignora a dor:
não diferencia alma ou cor.

O abandono não tem tempo
a perder; parece saber tudo:
o corpo que fere, o quê torna
o próximo espírito mudo!

O abandono não tem o Tempo
da Infância; cedo aprendeu dela
a exata e definitiva distância.

O abandono não tem o tempo
manifesto de forma clara: engana
sem mais saber; de ninguém tem rol
ou dó: falta-lhe um simples farol.

O abandono é substantivo, solitário,
vítima do assédio infante e vário:
só toma consciência do outro,
quando sob a terra já o tem morto!

*Jairo De Britto,
 em “Dunas de Marfim”

ON THE ROAD, WITH WORDS OF WISDOM*



If you want to write,
do it with the words of light.
If you want to write,
do it with the strength of life.
If you want to write,
do it with courage; be bright!
(Never be afraid of poor or fragile rimes:
they’re like ferns along quiet river’ sides)
If you want to write,
do it with your blood and heart.
(Don’t leave your sorrows or Truth apart)
If you want to write,
do it with your dearest dreams or most dreadful
feelings.
(Don’t worry: almost nobody will care about your
failures; losses or blessings...)
If you want to write,
do it with a short or long message full of wisdom.
(Words won’t count for the ones you hate or love:
only by those who read with the minds of a pilgrim)

*Jairo De Britto,
in “English Poems”

INÂNIME AUSÊNCIA*



Eu sempre chego atrasado.
Não às reuniões com outros executivos;
não para dos médicos ouvir mais motivos:
Chego atrasado quando devia Presença
àqueles que na minha Vida
hoje são amarga e solene ausência!


Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"

A ESTAÇÃO DAS LÁGRIMAS*


Quando a Estação das Lágrimas chegar;
quando, diante do sal sobre seu rosto pairar
- e a exata hora do terrível dia vier arder;

Quando, atrás ou adiante seu coração doído,
vir o cortinado de trevas a esconder a luz
dos seus olhos castanhos, verdes ou azuis;

Quando, sob o par de óculos de sol de Paris,
ou de esquinas do mais ermo pueril lugarejo,
não for capaz de esconder seu Luto e Pavor;

Quando tal Tempo – sempre cruel, fatal
e inesperado, tornar seu rosto disforme,
toldando-o de dores infames e sem cor;

Quando seu mais caro e próximo parente
ou amigo, aquele do peito, na Primavera
da Juventude ou Inverno da Velhice se for;

Quando a Estação das Lágrimas invadir
seus olhos vivos, tornando-se senhora voraz
do seu infante ou vetusto completo Ser:

Não adianta conselheiros sair a procurar.
Não perca seu tanto ou escasso tempo
a lhes escutar; a maior atenção lhes dar...

Não dê, alma e ouvidos, às suas tantas e tontas
palavras. Não àqueles esmerados fanáticos
(e não são poucos), no tão solícito consolar!

Antes, busque aqueles (e são poucos) que,
com discreta, sóbria e solene humildade,
lhe sussurram a clara Harmonia do Silêncio.

Aqueles que, com simples e suficientes frases,
sem nada querer, ou tanto se fazer escutar,
antes do Abraço Silente dizem carinhosamente:
“Não sei o quê falar!”

Estes são aqueles capazes de lhe ofertar alento;
de dar-lhe o primo, mais caro; necessário Silêncio,
enquanto, e sempre, que a Estação das Lágrimas
cobrir seu rosto com a ausência do calor franco.

Estes são aqueles que hão de ajudá-lo a curar
suas feridas sem Sal – até que seus olhos tornem
a suportar o Sol – que para nem todos se levanta;
para aqueles que nem sempre os sinos dobram!

Estes são aqueles que, na Estação das Lágrimas,
saberão a exata medida do Abraço à Dor Alheia
sem jamais esperar ou aventar qualquer Gratidão.

Então, enquanto o rio receber o quê lhe cabe
da Estação das Lágrimas, em conduta a oceanos
vários, lembre-se que “Não sei o quê falar!”
diz Tudo que precisa ouvir durante o Abraço:

Tudo e Mais que irá aliviar seu cansaço; o peso
da sua Dor e Desespero – que, por anos, saberão
a fel e Amargo Desterro na Terra dos Homens.

Nada é mais necessário e sublime que isso; nada
melhor que, perdido no Tempo Efêmero da Vida,
lhe soará como acalanto capaz de a todos conceder
a Alforria da Terra!

Foi o quê aprendi da Estação das Lágrimas:
Tudo Preciso: na hora fatal da Lavoura Arcaica;
quando à Terra devolvi meus Pais e Filhos!

Além de, à distância, ‘dizer’ adeus à Senhora:
Aquela – última guardiã, cúmplice e escrivã
das minhas Memórias de Infância, Juventude
e Velhice: Madrinha e Operária da Luz...

*Jairo De Britto - São Paulo, Capital.
(25 de Outubro - 15 de Novembro de 2012)